6 de ago. de 2018

Antenor Alves Horta




































Do livro Capistrana da vida, de Dirceu de Vasconcellos Horta, filho de Antenor Alves Horta:

"Era assim o meu pai e sua maneira de ser — sua inteligência, espírito jovial e honestidade fizeram minha mãe admirá-lo sempre. A nós, seus filhos, legou-nos a firmeza de caráter. Exerceu por certo período a profissão de jornalista, na Imprensa Oficial de Minas e a advocacia criminal em Diamantina e circunvizinhança. Faleceu logo que terminei meu curso ginasial. (...)
Eram rigorosos e severos os costumes da época, notadamente no que tange ao relacionamento dos jovens. Em razão dos rigores,  a inexistência do telefone e dificuldade de comunicação, surgiu a Serenata, uma das poucas maneiras de que dispunha o jovem para se declarar à sua amada.
Igualmente, mamãe não encontrou moleza para se casar com papai. Apesar de ser a família Horta, tradicional em Diamantina, seu pai, Francelino, expert e comerciante de diamantes. Antenor, meu pai, tinha alma de boêmio. Espirituoso, frequentava as as boas rodas, e para não fugir ao costume da terra, era chegado a uma serenata "bem regada”.  Meu avô já era falecido. A austeridade, e consequente
conservadorismo da vovó Therezinha não endossavam o gênero que
Antenor fazia. Todavia, mamãe como as suas irmãs Olinda(Lilinda) e Maria Dolores (Lourinha) foram educadas no Colégio Nossa Senhora das Dores. Mamãe era a mais avançada: tocava bandolim, fazi poesias, e escondia livros de Júlio Verne debaixo do colchão.
Tomou-se de amores pelo Antenor, logo que ele regressou de São Paulo, onde cursara a escola de Direito até o 4o ano.
A viagem de Diamantina para São Paulo, a estada ali e o curso de Direito eram dispendiosos. A situação financeira do seu pai Francelino, por uma série de fatores - a Abolição, redução na produção de ouro etc, impediu que ele continuasse seu curso, o que o levou a exercer a advocacia como provisionado.
Em Diamantina, àquela época, mantinha-se a tradição da missa da madrugada, celebrada às 4 horas. Habitualmente a ela se socorriam os os recém-saídos das serenatas ou dos bailes. Certa vez, vovó Therezinha, acompanhada de minha mãe, ao ingressar na Sé (Matriz), deparou-se com meu pai recostado num banco, ao final da igreja, num cochilo mais profundo. Sem perda de tempo disse: "Eis, minha filha, o homem a quem você ama... "
A resposta de minha mãe foi imediata: "se isto é defeito, meu amor é caridoso".
E foi assim que se casaram e de sua união vieram os sete filhos.
Mas meu pai sempre manteve aquele espírito boêmio e gozador. Ele era muito amigo de um senhor João Carlos, de uma família tradicional em Diamantina, pessoa dotada de sentimentos nobres e humanos, sempre solidário aos que dele precisavam. Havia outro João Carlos, tido e havido como um impiedoso agiota. Aliás, na verdade, bastante exercida em Diamantina. Mas, dos que conheci, nenhum foi bem sucedido.
Voltando à história, certo dia alguém veio ao meu pai e noticiou: "O João Carlos morreu". A resposta não se fez esperar: "Qual deles? O que chora ou o que faz chorar?". Felizmente foi o último.
Conta Cícero Caldeira Brant, meu padrinho, em seu livro Memórias de um Estudante, em que usa o pseudônimo de Ciro Amo, que quando estudantes em São Paulo e residentes na pensão da Rua Marechal Deodoro, 14, em novembro de 1904, eclodiu no Rio a revolução chefiada por Lauro Sodré contra o Presidente Rodrigues Alves.
A situação no Rio era gravíssima.
"Antenor Horta fez um troça perigosa, ...chegou à janela que dava para a rua e começou a gritarViva a Revolução!... Viva o Dr. Lauro Sodré! Morra Rodrigues Alves!
Tentamos arrancar Antenor da janela dizendo-lhe:
—É uma imprudência! Uma loucura! A polícia invade a casa!
— Pois então eu desço! exclamou ele.
E desceu até a porta da rua, já cheia de policiais e bombeiros por causa dos gritos sediosos.
Quando os soldados avançaram para prendê-lo, o Antenor tirou do bolso um revólver.
— Afastem-se que eu atiro!
Os soldados recuaram correndo, mas vieram voltando colados à parede...
O Antenor, à porta da pensão, fingia que não os via. Mas, quando chegavam perto, apontava-lhes o revólver e eles fugiam de novo.
Depois de brincar assim por mais de um quarto de hora, o Antenor atirou no meio deles o revólver, gritando:
—  Covardes! Vejam do que vocês estão correndo!... De um revólver de criança!
Só então os bravos e valentes soldados agarraram o Antenor e o levaram para a polícia. Horas depois foi ele posto em liberdade".
Não houve habeas corpus.
Em Diamantina, haviam levado a peça teatral Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Meu pai fez o papel de Jesus.Logo após a sua apresentação, quando viajava de trem para Belo Horizonte, parou em Corinto, onde se fazia baldeação. Alguém, ao vê-lo, contou que estavam levando naquela noite, a Vida de Cristo, mas estava enfermo o jovem que faria o papel de Jesus.
Arguindo que era a mesma peça levada em Diamantina, pediram-lhe se seria possível passar ali aquela noite. Aceitou a substituição. Corria a exibição; o Cristo já crucificado, cabeça pendida. Chegou a hora do fel, que haviam esquecido. Veio o
corre-corre. Alguém pegou a esponja presa à ponta de um bambu - estava seca — e perguntou: onde molho está m? Alguém respondeu:
- Na cachaça que está aí ao lado.
Molharam e a levaram à boca de
Cristo, que erguendo a cabeça pediu:
- Mais fel! Mais fel!
Desde crianças, meus irmãos e eu aprendemos a respeitar admirar uma figura querida, talvez, hoje o decano dos diamantinenses, o Dr. José Geraldo Jardim. José Jardim teve uma irmã Elvira - que se casou com meu tio Majorzinho - filha de D. Perciliana, irmã do Arcebispo D. Serafim e do Dr. Catão Jardim, avô materno do Dr. Ivo Pitangui, filho da D. Stael e do Dr. Pitangui.

Conta José Jardim que de certa feita, por ocasião de uma das campanhas políticas em que se achava envolvido, meu pai lhe disse:
- Vocês são inocentes — não sabem fazer o jogo da política. Quem bem o fazia era o nosso líder, X, quando da campanha da Aliança Liberal.
E narrou:
- Quando à noite o pessoal fazia o footing pela Capistrana, o X me pegava pelo braço, levava-me até a sacada do prédio do Ponto Chic (era o bar central mais frequentado da cidade) e dizia:
- Antenor, faça um discurso para abrir o nosso comício. Começava eu a falar. Se os transeuntes parassem e aplaudissem, ele me puxava para trás e tomava a palavra. Se não dessem atenção ao meu discurso, fracassando a iniciativa, ao lhe perguntarem:
- O que foi aquilo, que vexame?  Respondia:
- Bebedeira do Antenor."

Antenor Alves Horta, diamantinense, flautista, escritor, casado com Adila Celeste de Vasconcellos Horta

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