
Por Tania Horta
"Quando eu pedi ao papai, por favor, de não beber tanto porque lhe fazia mal a saúde, ele argumentou:
-Mas, minha filha, eu só bebo fins de semana!
-Eu sei, papai, mas já reparou que os seus fins de semana começam na quinta e acabam na terça?
Sem outro argumento convincente calou-se, riso irônico entre os lábios.
A Firma do papai era no Centro da cidade, 12º andar da Rua Álvaro Alvim 31, portanto bem próximo ao Restaurante “Amarelinho” da Cinelândia.
Sexta-feira era dia de congraçamento do escritório. Papai pagava almoço para toda a equipe no Amarelinho, assim como de quantos amigos ali aparecessem, até mesmo os que eu e Sandra quiséssemos convidar.
O almoço começava em torno de 3 hs da tarde, mas os chopes, muito antes. A hora de ir para a casa dependia do seu estado de saúde, mas digamos que normalmente era por volta de 11 da noite, ou meia-noite, quase sempre acompanhado, para não dizer, carregado, por um “grande” amigo, como o Orlando, por exemplo.
Depois de alguns tantos chopes tomados antes, durante e depois da “Dobradinha”, que ele adorava, papai subia ao segundo andar do restaurante e sentava-se ao piano de cauda ali existente, sentindo-se acavalheiro da situação. É que ninguém tocava ali, normalmente. Eu pelo menos nunca soube ou vi. Ele iniciava seu “recital” discorrendo os dedos sobre os acordes perfeitos dó-mi-sol-dó do grave ao agudo, e com pedal de aumento, o que despertava entusiasmo numa clientela que se sabia, devido ao local, não ser das mais exigentes.
O parco repertório de papai consistia em alguns acordes arranhados do “Blue Moon”, em trechos de um noturno de Chopin, que o havia feito explodir em lágrimas numa cena de Gregory Peck no filme "Tarde Demais para Esquecer" e na única música que conseguia chegar até o fim: “Luzes da Ribalta”. Tudo de ouvido, claro.
Contou-me papai que num desses inícios de noite, assim que começou sua apoteótica introdução discorrendo os dedos sobre o dó-mi-sol-dó fazendo aquele estardalhaço todo, uma jovem se aproximou, emocionada, olhos marejados de lágrima, e falou:
- O senhor toca tão bem... Posso pedir uma música?
- Claro, minha filha. Peça o q-u-e v-o-c-ê q-u-i-s-e-r! (só de porre poderia cometer tal ousadia)
- Será que o senhor podia tocar... LUZES DA RIBALTA?
!?!
Com certeza aquele foi o seu dia de Glória.
Um deles, é claro, para quem conheceu o Armando". (Tania Horta)
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