5 de out. de 2009

Os postes e a FIRMA


A FIRMA não é nome de filme. É como chamávamos a empresa de postes luminosos Vera Cruz Indústria e Comércio LTDA.
A FIRMA sustentou muita gente, magoou mais ainda, foi motivo de discórdia e de união entre a família Horta do Rio de Janeiro.
Como surgiu A FIRMA? Minha mãe, Cléa de Menezes Vasconcelos Horta, tinha duas irmãs: Helena e Didi. Minha mãe e Didi casaram-se no mesmo dia, respectivamente com Antenor e Antônio (os homens sempre começavam com a letra A). Cléa foi com Antenor para Belo Horizonte, onde eu nasci dez meses depois. E Didi e Antônio form para São Paulo, onde Antônio trabalhava.
Meu avô materno, Levy de Menezes, abriu a primeira FIRMA, cujo nome esqueci, e fabricava postes luminosos (esses com um anúncio redondo em cima e o nome da rua numa placa azul dos lados). Não só fabricava, alugava os espaços luminosos e fazia a manutenção. A prefeitura havia concedido a ele uma concessão, e ele estava com muito dinheiro.
Desesperado de saudade das filhas, convocou os genros a voltarem para o Rio, prometendo-lhes uma FIRMA igual à sua e empréstimo para que cada um construísse sua casa como quisesse. Assim sendo, Antônio e Antenor foram sócios na FIRMA Vera Cruz Indústria e Comércio Ltda.
Meu pai escolheu Vera Cruz por ser o nome do trem de passageiros de luxo entre 1950 e 1990, ligando Rio de Janeiro a Belo Horizonte.



Antônio, porém, não ficou muito tempo, e voltou para São Paulo, onde tinhas seus "negócios", e vendeu sua parte para Armando de Vasconcelos Horta, irmão de meu pai Antenor.
"A FIRMA", para nossa família, era como um ente, uma coisa com vida própria. Lá, trabalharam sobrinhos, tios, irmãs, amigos. Havia um séquito de vendedores comissionados, que sexta-feira aparecia na FIRMA em busca de "vales".
Quando meu avô morreu, minha mãe e suas irmãs herdaram a FIRMA de meu avô, mudaram o nome criativamente para FRATERLUX, e acabaram quebrando a cara, claro, inicialmente não sabiam sequer o que era CGC. Mas foram corajosas, trabalhadoras, fortes e incansáveis.
Portanto, houve um tempo em que meu pai e minha mãe eram concorrentes, uma vez que cada um tinha uma FIRMA. Disputavam as esquinas para fincarem um poste luminoso e venderem um anúncio. Ao final venderam a Fraterlux para o gerente, um homem estranho, chamado Seu Meireles.
Mas a Vera Cruz sobreviveu até que a prefeitura estabelecesse outro padrão e centralizasse em outra patota sua concessão de exploração e sinalização das vias públicas. Os postes da Vera Cruz representam o Rio de Janeiro pois foram durante muitos anos a marca da cidade. A Vera Cruz tinha concorrentes, poucos. Não chegava a meia dúzia.
Quando meu pai foi morar dois anos no Peru, quem nos sustentava era A FIRMA.
Quando cortavam a luz por falta de pagamento, quem fazia o gato de luz eram os empregados DA FIRMA.
Quando meu pai morreu, eu ia completar vinte e seis anos. Saímos da missa de sétimo dia e fomos direto para A FIRMA. Minha mãe decidiu que eu tomaria o lugar do meu pai representando-a e meus dois irmãos e no oitavo dia eu estava sentada na cadeira do meu pai, na FIRMA. Claro que foi um desastre. Eu era massa de manobra, boi de piranha.
Esse assunto não pode ser levado muito a sério nem detalhado porque A FIRMA tem babados fortes.
Convém ressaltar, como dizem os acadêmicos, que A FIRMA deu trabalho a muita gente na nossa roda. E que POSTE, na minha família, tem um significado completamente diferente de um mero poste em qualquer outra.
POSTE era o centro da FIRMA. Os postes nos alimentaram, nos fizeram inimigos.
Os nossos postes tinham luz, ficavam um pouco acima das cabeças, traziam os nomes das ruas e os números dos edifícios daquele quarteirão, iluminavam as ruas e tiveram um dia um ar de modernidade.
Por causa da FIRMA, meu irmão conhece todas as esquinas do Rio de Janeiro.
Os postes estão desaparecendo das ruas, mas permanecem nas fotografias, escondidos, nossos pedaços de memória.

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