22 de out. de 2015

Memórias da "República" do Peru II

Atendendo a pedidos dos meus 17 leitores (pari passu com os do Xexéo), cotinuo as minhas memórias da República (quase de estudantes) do Peru: Memórias da “República” do Peru II
Tio Manzinho era outro irmão da mamãe, o pai do Serginho, Nádia e Soninha, mas essa, pirralha, não fazia parte desse nosso universo. Ele ligava lá para casa e eu atendia –era sempre eu quem atendia: - Quer falar com quem, com papai ou com a mamãe? Quero falar com você, ora! E tocava acordeom para mim e eu piano para ele, ressalto, por telefone, causando total irritação nos demais “republicanos”, que, como já disse, não eram poucos. Nessa época ter, que fosse, uma única linha, era sorte ou luxo. Tio Manzinho era uma criança grande. Quando morreu, aos 36 anos, no acidente de um avião que caiu na baía de Guanabara, o nosso apartamento - já morávamos na Barata Ribeiro (onde mora mamãe até hoje), virou local de peregrinação de jovens, todos da idade de Serginho, o filho. Eram esses os amigos do meu tio preferido, com quem ele fazia filmes caseiros e jogava futebol na Rua Santana. É que nós hospedamos toda a sofrida família dele por um tempo, que parecia interminável alimentado pela dúvida e esperança, pois titio não estava na lista de passageiros, embarcara de última hora no lugar da desistência do deputado Talarico. Sorte de um, azar do outro. Até hoje penso que o seu reconhecimento, do qual eu queria participar, mas não pude por ser “de menor”, foi uma encenação da tia Inês para por um ponto final a todo aquele desespero. Tia Inês, a única loura de olhos verdes da grande família de mamãe cheia de mulheres lindas, miscigenação de negro e português, era a formiguinha que economizava, e assimilava, de todos, os problemas e pesares, sem partilhar os prazeres. E foi assim até a sua morte, aos 90 anos. Um dia resolvi preparar um estojo de primeiros socorros. Era uma merendeira velha azul marinho onde fui juntando sobras do que ia encontrando do gênero a disposição pela casa: Gaze, esparadrapo, mercúrio cromo, tesourinha, água oxigenada, como àquela que muitos anos depois foi exigida pelo “governo” em todos os carros e suspensa logo que faturaram o que queriam. Fiquei à espreita de uma oportunidade. Ela chegou. Uma bola de gude caiu dentro de um bueiro na rua Tonelero, num jogo entre Rodolfo e seus amigos. A trempe de grossas barras era pesada demais e precisou quatro meninos para levantá-la ao mesmo tempo, um em cada ponta. Veio um caminhão meio que de rasante ao meio fio, três dos meninos soltaram a trempe e correram. Só ficou o crédulo Rodolfo, com os dedos presos ali. Aos prantos chegou em casa, cortes profundos em oito dedos, todos as pontas inchadas, redondinhas, parecidas com as bolas de gude, mas só as vermelhas ou roxas. Não me assustei. Aquela imagem me era habitual nos desenhos de Tom e Jerry e, além do mais, era a oportunidade de entrar em cena com minha caixinha de primeiros socorros. Ele percebeu e rogou praga. Uma semana depois eu caía com uma perna encaixada até a coxa dentro de um bueiro da República do Peru, que tinha parte das barras da tampa cortadas em ponta. Não me lembro se o estojo de primeiros socorros foi então utilizado.

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